segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Concurso Público & Competências













O principal mecanismo de recrutamento e seleção para ingresso em órgãos da Administração Pública brasileira – o concurso público – tem se mostrado uma ferramenta eficiente do ponto de vista legal, mas falha do ponto de vista administrativo e gerencial. 

Pautando-se por princípios constitucionais como a legalidade, impessoalidade e publicidade, ele tem se mostrado extremamente rígido e burocrático, utilizando-se apenas de critérios objetivos. Abre-se mão assim de critérios de seleção com maior grau de subjetividade, que agregariam muito do princípio constitucional da eficiência ao processo.

É possível aprimorar-se o concurso público para que ele, sem ferir nenhum dos princípios constitucionais, seja mais efetivo e eficaz na contratação de profissionais mais aderentes aos perfis das vagas nos governos.

Estudos feitos principalmente no âmbito de órgãos públicos têm detectado há vários anos altos índices de desmotivação, absenteísmo e afastamento por doenças nos três níveis do governo brasileiro. Possivelmente há uma forte correlação entre estes problemas e as deficiências do processo seletivo público – não como sua única causa, mas uma das principais. Recentemente, as deficiências do concurso público como ferramenta para selecionar o candidato mais adequado à vaga tem sido um dos causadores da dificuldade do serviço público em reter os servidores mais jovens. Especialmente os servidores mais novos, pertencentes à Geração Y, têm menos tolerância à falta de aderência entre seu perfil e a vaga. Enquanto os servidores mais velhos também passaram por esta dificuldade – afinal, o concurso público não evoluiu muito desde sua oficialização, em 1988 – mas se conformaram em realizar um trabalho aquém de suas expectativas em nome da estabilidade e segurança no emprego, os jovens da Geração Y que optam por ingressar no serviço público têm demonstrado que dão menos valor à estabilidade e mais importância à realização profissional.

O modelo de Gestão por Competências – hoje paradigma no setor privado – pode servir como uma das bases para se sugerir melhorias, dentro da legalidade, para o processo seletivo público, obviamente atentando para as diversas especificidades da Administração Pública.

Uma das definições mais difundidas de Competência é a capacidade de mobilização de conhecimentos, habilidades e atitudes (recursos de competência) pelo indivíduo frente a uma situação, atividade, contexto e cultura no qual ocorre ou se situa. Trata-se da capacidade do indivíduo pensar e agir dentro de um ambiente particular, supondo a capacidade de aprender e de se adaptar a diferentes situações, a partir da interação com outras pessoas.

Estes recursos de competência são divididos nos níveis organizacionais (exigidas de todos os colaboradores), funcionais (exigidas de colaboradores de certo departamento ou projeto) e individuais. As competências são classificadas como aquelas ligadas à Conhecimentos Teóricos, Habilidades Práticas (capacidade de aplicar os conhecimentos na prática gerando resultados positivos) e Atitudes Comportamentais (motivação e perfil psicológico) necessárias à boa execução de certo trabalho.

O modelo de seleção por competências as utiliza como critérios para selecionar os candidatos, de acordo com o perfil da vaga a ser preenchida – definido, por sua vez, com base nas competências necessárias para a boa realização das atividades inerentes ao cargo. É um modelo bem mais completo e eficaz que o concurso público tradicional, na forma como vem sendo realizado no Brasil.

No caso da Administração Pública brasileira, a Constituição Federal definiu o Concurso Público a partir de 1988 como único mecanismo de seleção para os cargos públicos efetivos – tanto na Administração Direta quanto na Indireta. Apenas os cargos em comissão (de livre provimento, predominantemente de direção e assessoramento) estão dispensados dele.

O principal problema do Concurso Público como processo seletivo é o fato de se limitar a provas objetivas, que avaliam apenas conhecimentos teóricos, buscando com isso evitar o uso de critérios subjetivos de seleção - que podem levar a processos judiciais até anulando todo o certame.

Para garantir uma melhor adequação do perfil do candidato à vaga pretendida, de acordo com o modelo de Gestão por Competências é necessário avaliar-se o candidato em três dimensões: Conhecimentos Teóricos, Habilidades Práticas e Atitudes Comportamentais. No entanto, a avaliação das Habilidades e Atitudes exige o uso de critérios mais subjetivos de seleção. Como resolver este dilema?

É possível realizar o concurso em diversas etapas, e não apenas com uma prova objetiva, como acontece muitas vezes. Cada uma destas etapas deve ser planejada para medir certo grupo de competências, buscando aplicar o modelo de Gestão por Competências, mas sem incorrer em ilegalidades e garantindo publicidade e transparência em todo o processo.


Recrutamento:
  • Descrição da vaga em edital: cargo com atribuições amplas e competências bem definidas de acordo com prévia análise dos processos de trabalho a serem executados, permitindo sua alocação dentro da organização de acordo com as necessidades do governo e o perfil do servidor.
  • Definição em edital de requisitos de formação e experiência prática prévia para os candidatos


Seleção:
  • 1ª fase: prova objetiva baseada em Conhecimentos teóricos
  • 2ª fase: prova prática (testes ou dissertativa) baseada em estudos de caso, buscando avaliar as Habilidades
  • 3ª fase: curso de formação com avaliações, buscando desenvolver Habilidades Práticas nos candidatos, colocando-os em simulações e workshops com participação de funcionários mais antigos.
  • Alocação: os candidatos aprovados na 3ª fase serão alocados entre as áreas previstas em edital de acordo com sua preferência, sendo que aqueles candidatos aprovados com maiores notas terão prioridade na escolha.
  • Estágio Probatório: período de 3 anos durante o qual o candidato aprovado será avaliado quanto ao seu desempenho profissional, Atitudes Comportamentais e adequação de seu perfil ao cargo. O estágio probatório já existe, e somente após sua conclusão, caso o candidato seja aprovado, é concedida a ele a estabilidade no emprego. O problema é que atualmente o estágio probatório não é efetivamente utilizado como uma etapa do processo seletivo. Ele acaba sendo um rito pro forma, onde praticamente todos são aprovados e não são efetivamente avaliados. O que se sugere é que o estágio probatório efetivamente seja colocado em prática.


Seguindo estas orientações, é possível que o processo de recrutamento e seleção nos governos seja realizado dentro dos princípios constitucionais e com eficiência, eficácia e efetividade, contribuindo para que o serviço público tenha colaboradores mais motivados e com perfis mais adequados às funções que devem ser exercidas, resultando em melhores políticas públicas para os cidadãos.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Ninguém motiva ninguém

Já dizia sabiamente minha professora na FGV, Cecília Bergamini, que ninguém motiva ninguém.

Isso é um fato. Fatores como bônus variáveis, por exemplo, funcionam como mero condicionamento, ou seja, estímulos externos que levam a um certo comportamento desejado e que, quando deixam de existir, levam junto embora o comportamento estimulado.
Motivação, seja no setor público ou privado, é na verdade algo muito mais complexo e inerente a cada indivíduo, é a "ânima", força impulsora interna, que chamamos usualmente de paixão ou "aquilo que faz seus olhos brilharem."

Cabe ao bom chefe (ser chefe é fácil, difícil é ser um bom e justo chefe), ao verdadeiro líder, conhecer seus funcionários para identificar as verdadeiras motivações internas de cada um, buscando aliar o "ânima" de cada indivíduo com os objetivos e necessidades da organização. O discurso é lindo, a prática é bem diferente. 

Na lógica de mercado do setor privado, ele cai por terra na grande maioria das empresas, subjugado pela força do lucro. "Não gosta de fazer isso?! Te demito agora e já tem 10 na fila querendo seu cargo". A espada ameaçadora da demissão assusta e mantém o funcionário, mesmo que desmotivado, sob controle.
No caso do setor público, a estabilidade no cargo protege o funcionário de perseguições políticas e demissões indiscriminadas. Mas acaba levando muitas vezes à acomodação do funcionário pela frequente ausência da meritocracia e políticas efetivas de avaliação de desempenho. 

Num ambiente onde o processo de recrutamento e seleção (concurso público) avalia apenas o C do CHA das Competências (Conhecimentos teóricos, Habilidades práticas e Atitudes comportamentais) e há a estabilidade, muitas vezes o funcionário fica desmotivado por ocupar uma função que não tem relação com seu perfil de competências (falha do concurso e falta de estágio probatório que funcione), mas se conforma e se acomoda com a estabilidade, por medo de não conseguir um outro emprego melhor. 

Ou seja, a função do verdadeiro líder no setor público é mais importante ainda que no setor privado, pois ele precisa de fato ter a sensibilidade para conhecer seus funcionários, identificar qual tipo de trabalho se adequa melhor ao perfil de cada um e ainda convencer o funcionário a fazer este trabalho, envolvê-lo e efetivamente motivá-lo e estimulá-lo: ser seu parceiro. Quando o chefe no governo tenta usar a força e hierarquia para mandar no funcionário, a burocracia se fecha e se volta contra ele, gerando um imobilismo nas ações de governo. É preciso ao bom líder no governo ter sensibilidade tecnopolítica e negociar constantemente com seus funcionários, buscando sempre um denominador comum, um meio-termo entre os anseios do funcionário e as necessidades do governo.

Pela minha experiência de dez anos em governo, me arrisco a esboçar uma tipologia do servidor público concursado no Brasil. Há aqueles individualistas (ou carreiristas), preocupados apenas com seu aumento salarial e de poder. Há também os servidores corruptos e os servidores desidiosos (preguiçosos mesmo). Podemos observar também os servidores “carregadores de piano”, sempre buscando realizar bem sua tarefa não importa a circunstância ao seu redor (são, em sua maioria, servidores recém-concursados, no início da carreira). E há finalmente a categoria mais numerosa: a dos incrédulos e desmotivados. Ele é o “carregador de piano” de ontem; ele já foi idealista e determinado, mas aos poucos se desiludiu com as seguidas trocas de governo, as descontinuidades de boas ideias e as repetições de erros. Sua maior diversão é fazer piadas com os novatos e ingênuos carregadores de piano, e agindo assim acaba contribuindo para transformá-los também em céticos, mantendo o ciclo de desmotivação.
De todos os grupos dessa tipologia, os incrédulos e céticos são os que mais facilmente conseguem ser transformados em servidores motivados, eficientes e felizes, bastando para quebrar este ciclo vicioso efetivamente ouvi-los, levar em conta nas decisões suas valiosas experiências e conhecimento do funcionamento e da história da máquina governamental e envolvê-los no planejamento e realização do trabalho.

Para encerrar, quando pensamos em resistência à mudanças e zona de conforto, leia a tirinha abaixo e veja como muitas vezes reproduzimos comportamentos mecanicamente, sem questionar ou entender seus reais motivos. Isso é muito frequente na Administração Pública, onde muitas vezes nem se tenta fazer alguma mudança porque há resistência ou existe a famosa lenda de que "uma certa lei impede"  - quando, na verdade, muitas vezes essa tal lei é apenas folclore, nunca chegou a existir, era apenas um pretexto para manter-se o status quo.

Zona de conforto, é uma tendência para todo ser humano, mas que tende a ser potencializada na área pública e precisa de choques efetivos de boa liderança para ser rompida.



quinta-feira, 13 de junho de 2013

Teoria E (não VS.) Prática

Em 6 de junho de 2013, foi publicado o último edital para contratação de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal, a principal carreira no Brasil para a área de Gestão Pública (http://www.esaf.fazenda.gov.br/concursos_publicos/novos-e-inscricoes-abertas/concurso-publico-para-provimento-de-cargos-de-especialista-em-politicas-publicas-e-gestao-governamental).

Houve certa polêmica, pois este edital aumentou bastante o peso da experiência profissional com relação à prova teórica e inclusive quanto à titulação acadêmica.
Já defendi neste blog e reforço minha posição: é muito importante que os concursos públicos para funções gerenciais (que, pela natureza de liderança e direção, exigem maior maturidade profissional) valorizem também a experiência prática dos candidatos, não apenas o conhecimento teórico. O conhecido e aclamado modelo de Gestão por Competências demonstra há muito tempo a importância das duas dimensões para a competência de um profissional: Conhecimentos e Habilidades (sem contar a dimensão comportamental das Atitudes, sobre a qual devo escrever em breve outro artigo neste blog). 

A preocupação do Ministério nesse sentido é, portanto, justificada, dando mais peso para experiência profissional prévia que nas provas anteriores e incluindo estudos de casos práticos nos exames. Não creio que este procedimento agrida de alguma forma nenhum princípio constitucional, como alega a Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental): http://www.anesp.org.br/?q=node%2F5504

Pelo contrario, tendo feito minha dissertação de mestrado sobre capacitação e desenvolvimento nos governos, vejo que os cursos de formação ligados aos concursos não são suficientes para preparar o aprovado para o exercício prático da função (mesmo que dure seis meses, como sugerido pela Anesp, não se aprende em 180 dias o que anos de experiência prática têm a oferecer como bagagem). Temos candidatos aprovados com boa base de conhecimento teórico, mas sem habilidades para aplicar estes conhecimentos na prática.

O fato é que hoje a Administração Pública no Brasil, devido à décadas de interrupção nos concursos públicos, está com sua força de trabalho na média extremamente envelhecida. Em toda organização, seja pública ou privada, o ideal é que tenhamos a maioria da força de trabalho localizada na faixa intermediária de maturidade profissional. E é justamente este perfil que mais falta ao serviço público. Temos muitos servidores no fim da carreira, vem aumentando o número de servidores iniciantes mas há poucos no auge da sua produtividade profissional, ou seja no meio da carreira.

A Constituição Federal proibiu o acesso via concurso público a faixas intermediárias das carreiras. Logo, a solução a curto prazo para o governo obter esse fundamental perfil de força de trabalho intermediário (que mescla maturidade com disposição e motivação) é aumentar o peso da experiência prática nas provas. Reforço aqui que estudos de caso e experiência prévia são itens fundamentais para qualquer seleção pública, e deveriam ser também levados em conta para concursos de outras carreiras e para o provimento de cargos de confiança, que são isentos de concurso.

Além disso, é importante também termos profissionais iniciantes e mais velhos no quadro de funcionários, mas em menor número. Os mais experientes, na fase final de sua carreira, podem ter parte do seu tempo canalizado para atuarem como mentores dos profissionais novatos.  Portanto, o resultado de um gráfico cruzando tempo de experiência com número de funcionários na organização deveria se aproximar, idealmente, de uma curva normal.
No entanto, qualquer boa iniciativa pode ser distorcida para fins pouco nobres. Este peso maior para a experiência pratica abre margem para que comissionados não concursados mas experientes ingressem na carreira. O governo inclusive tem sido acusado de montar este edital com peso maior na experiência prática para acomodar os comissionados do PT que se infiltraram na máquina desde o governo Lula. Mas ate aí, as chances serão as mesmas para o amigo de alguém influente no governo federal mas sem formação técnica, para o comissionado do governo de minas que seja ligado ao PSDB, para o gerente de empresa privada e para profissionais como eu (que são vários): pessoas que trabalharam vários anos como comissionados em governo mas sem nenhuma vinculação de parentesco, apadrinhamento ou partido. Ocupei por 9 anos cargos de confiança em posições gerenciais em municípios e no governo do estado de SP, sempre trabalhando com gestão de pessoas e indicado por critérios de competência profissional.

Enfim, o governo também precisa de profissionais que já entrem produzindo, que de cara já tragam uma bagagem de pratica e experiência. Não vamos amaldiçoar o bom remédio e ignorar suas grandes vantagens por causa apenas de alguns efeitos colaterais. O ser humano sempre consegue distorcer e achar brechas perversas nas leis, creio ser este um dos casos.

O governo precisa de profissionais competentes, não só com boa formação mas também com experiência e capacidade operativa. Cada vez mais deve se valorizar a formação acadêmica, mas não só ela. Deve ser valorizada também a habilidade prática, para que tenhamos um perfil de força de trabalho mais eficiente e que consiga responder concretamente, melhor e mais rapidamente às demandas da sociedade com mais e melhores políticas públicas.

Logo, este debate não deveria ser centrado em qual critério é o mais importante num concurso (conhecimento teórico ou habilidade prática), mas sim na importância de que AMBOS aspectos sejam contemplados no processo seletivo para as carreiras no governo.



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

3º Congresso Nacional de Gestão Pública


Serei um dos palestrantes do 3º Congresso Nacional de Gestão Pública, organizado pela Academia Nacional de Gestão Pública - ANGP, dias 3 e 4 de abril em Brasília.

Falarei sobre a importância de capacitação e desenvolvimento, tanto para quem já está no governo como para preparar os futuros quadros da Administração Pública.
Mais detalhes sobre a programação e inscrições no site: www.conagesp.com.br



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Chefes e (ou versus?) Funcionários


É comum ignorar-se o problema dos conflitos no ambiente de trabalho na administração pública, especialmente entre chefe e subordinado. No entanto, este é um dos principais fatores internos nas organizações públicas que leva à sua ineficiência. E, mesmo assim, é muitas vezes dado como elemento negativo mas impossível de ser corrigido ou melhorado.

O fato é que a cultura organizacional nas administrações públicas brasileiras – especialmente nos órgãos da administração direta – é muito diferente do que encontramos nas empresas privadas em geral. Logo, as causas, os tipos de conflitos internos e as melhores maneiras de solucioná-los também são diferentes, especialmente quando se pensa na relação chefe-subordinado.

Primeiramente, é importante abordar o assunto do cargo em comissão, que é destinado a funções de Direção e Assessoramento e, portanto, muitas vezes está no topo da pirâmide hierárquica e de remuneração das organizações públicas. Apesar de, na maioria dos casos, ser ocupado por profissionais não concursados, o cargo em comissão pode ser preenchido por pessoas concursadas ou externas à máquina pública, por ser de livre provimento. Em boa parte dos casos que tenho observado na minha experiência, a maior parte dos ocupantes de cargo em comissão não concursados não possuem significativa experiência teórica ou prática em administração pública. Isso pode e deve ser corrigido, estabelecendo-se critérios técnicos de formação e experiência para o provimento destes cargos - ou até mesmo utilizando-se de serviços profissionais de “headhunting” para recrutamento interno ou externo destes profissionais.

Se, por um lado, o ocupante de cargo em comissão concursado em geral possui elevado conhecimento sobre os processos de trabalho e a administração pública, por outro lado possui muitas vezes certos vícios e resistência a mudanças típicos de quem já está inserido na máquina pública há muitos anos - é fato que o tempo médio de casa dos servidores públicos concursados no Brasil tem diminuído nos últimos anos devido ao aumento do número de concursos públicos e de aposentadorias, mas este tempo médio ainda é bastante elevado. 

Além disso, existe a figura do carrossel da incorporação, onde servidores de uma mesma área revezam-se na posição de chefe, cada um buscando incorporar a diferença de remuneração, sendo que nem todos possuem perfil e competências para exercer tal função e apenas um deles continua sendo sempre o chefe informal - pois é quem possui maior legitimidade ou controle sobre o grupo. Nesse carrossel, todos se comprometem com o revezamento, onde todos saem ganhando e firmam um pacto da mediocridade onde, no seu turno como chefe, cada um acoberta os malfeitos e falhas dos outros para, depois, não ser vítima de retaliações e poder também usufruir dessa regalia quando deixar de ser chefe. Há também a possibilidade do servidor concursado recusar-se a ocupar uma posição de chefia a convite do governante de plantão por receio de sofrer no futuro perseguições e represálias por parte de futuros chefes ligados a outros partidos, de oposição ao atual.

Por sua vez, o ocupante de cargo em comissão externo à máquina trás conhecimentos novos, ideias externas à máquina burocrática do governo. Algumas dessas ideias, muitas vezes oriundas da iniciativa privada, podem surtir efeito positivo no funcionamento das administrações públicas, outras não. Mas o desconhecimento da máquina pública por parte de um profissional que ocupe um destes cargos pode ter consequências extremamente negativas para o governo, sendo uma das maiores a desmotivação por parte dos servidores públicos concursados - que se veem na função de ensinar ao seu chefe como fazer o trabalho que eles já sabem fazer e ainda recebendo salário muito menor que o dele.

O cargo em comissão na maior parte dos casos é ocupado por profissionais não concursados a convite do político eleito, que detém a prerrogativa para preenchê-los. Com a alternância de poder do nosso regime democrático, os chefes também tendem a mudar, acompanhando o revezamento político imposto pelas eleições. Um dos resultados dessa alternância é que, na área pública, a rotatividade de ocupantes de cargos de chefia tende a ser bem mais alta que na área privada – onde a maior rotatividade está nos níveis operacionais da hierarquia. Ao mesmo tempo, no setor público a rotatividade nos cargos mais operacionais tende a ser menor, devido à estabilidade no emprego. Uma das consequências deste quadro é a dificuldade no setor público de realizar-se e colocar-se em prática um planejamento estratégico organizacional de longo prazo. Apesar da grande maioria dos servidores públicos terem estabilidade e elevado tempo de casa, a alta rotatividade nos cargos estratégicos impede muitas vezes a continuidade nas políticas públicas. Esta descontinuidade nos trabalhos gera uma grande desmotivação entre os servidores concursados, que assistem uma constante troca nas chefias, redefinição de políticas e prioridades a todo o momento e frequente repetição de formulas já aplicadas anteriormente por outras chefias, “reinventando-se a roda” e gerando ineficiência no sistema. É a tal sensação do “já vi esse filme antes”, que muitas vezes passa para os chefes a sensação de que o servidor concursado é resistente a todas as mudanças. Ele é resistente e cético, mas apenas com relação a mudanças que já viu serem tentadas da mesma maneira por administrações anteriores, sem sucesso. E o chefe, por sua vez, na maior parte das vezes assume uma postura arrogante, ignorando o conhecimento acumulado sobre a história da organização, seus sucessos e fracassos que os funcionários de carreira possuem.

Importante também abordar a estabilidade no serviço público, que foi idealizada como um mecanismo de proteção para o burocrata estatal contra perseguições de cunho político-partidária. Além disso, a estabilidade também protege a função pública em si de ser loteada e trocada de ocupante indiscriminadamente cada vez que o político no poder muda, garantindo certo grau de continuidade no trabalho e evitando que o posto público seja utilizado como moeda de troca clientelista.

Essa estabilidade no emprego – associada à ausência quase total na administração direta em geral de políticas consistentes e efetivas de avaliação de desempenho, de capacitação e de evolução na carreira por competências – acaba muitas vezes levando o servidor concursado à acomodação e resistência à mudanças. O cenário típico consiste, de um lado, no ocupante não concursado de cargo de confiança, querendo impor aos seus subordinados as políticas determinadas pelo político eleito. De outro lado, a máquina burocrática monolítica, resistente e muitas vezes viciada e há muito tempo sem cursos de reciclagem, utilizando a estabilidade no emprego como escudo para enfrentar a chefia e tentar impor suas visões aos chefes. Resultado: uma conversa de surdos com mudos, um impasse com a comum sensação de se estar eternamente enxugando gelo, ou seja, andando sem sair do lugar. Muito trabalho e esforço e poucos resultados entregues pela máquina pública para a sociedade.

A melhor estratégia de superação de conflitos entre chefe e subordinados na administração pública é a aproximação e o diálogo aberto. O chefe na administração pública não consegue impor sua vontade porque lhe falta a arma da ameaça de demissão. Ele precisa tirar o melhor proveito possível da mão de obra que está à sua disposição, maximizando - por exemplo - os esforços de realocação interna e capacitação, pois não pode utilizar-se do recurso de demitir e buscar melhores profissionais no mercado. E, mesmo que decida por tal caminho, o processo de quebra de estabilidade é extremamente longo, moroso e difícil, lembrando ainda que a contratação por concurso público também é um procedimento lento e penoso. Por sua vez, o subordinado concursado também não logra êxito em suas iniciativas que não contam com o respaldo superior porque os regramentos, amarras e controles extremamente burocráticos e rígidos impostos pelo Direito Administrativo centralizam as decisões, exigindo a autorização expressa do chefe para a execução de praticamente todos os trabalhos - do mais simples ao mais complexo.

O chefe deve negociar as prioridades com o seu funcionário, dividindo com ele o processo de tomada de decisões e envolvendo-o efetivamente no trabalho. O funcionário, por sua vez, deve estar aberto ao diálogo e despido de preconceitos, vícios ou resistências automáticas. É um grande esforço de ambos os lados, mas que gera resultados extremamente positivos para todos - inclusive para os cidadãos beneficiários das políticas públicas. 



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Melhores Empresas Públicas

Foi lançada a pesquisa 2013 das Melhores Empresas para se Trabalhar, organizada pela FIA e Revista Você SA: http://vocesa.abril.com.br/melhoresempresas2013/instituicoes-publicas.shtml

Pela primeira vez, a pesquisa terá um questionário separado para avaliar organizações do setor público. Faz tempo que defendo que uma pesquisa desse tipo - que envolve clima organizacional e outros fatores decisivos para se medir e avaliar a qualidade da gestão de pessoas nas organizações - deveria ser feita também em organizações públicas. 

Como tenho defendido em toda minha vida profissional e nesse blog, as organizações públicas têm muitas particularidades que fazem com que não possam ser medidas em vários aspectos com a mesma régua que se mede as organizações privadas. A iniciativa da FIA e Você SA é pioneira e louvável nesse sentido. Se vingar - e espero que vingue - pode vir a oferecer dados muito relevantes tanto aos gestores de pessoas nos governos como também aos concurseiros - que passarão a poder contar com dados muito relevantes além apenas da remuneração (informações sobre qualidade do ambiente do trabalho e perspectivas de evolução na carreira, por exemplo, entre outros) para decidir onde querem trabalhar e em qual função. Isso tende a contribuir para a melhora da adequação do perfil do candidato à vaga e, consequentemente, acaba trazendo para o governo colaboradores mais motivados e produtivos, melhorando o resultado das políticas públicas junto à sociedade.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Entrada e Saída

Com validade variável nos órgãos da Administração Pública Indireta (Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista, Fundações e Autarquias) e força absoluta na Administração Direta (Secretarias e Ministérios), a estabilidade no emprego para cargos públicos concursados surgiu - assim como o próprio concurso público, que é obrigatório para as Administrações Direta e Indireta - para blindar a máquina burocrática contra as mudanças no poder típicas de um governo democrático e contra o aparelhamento do Estado com nomeações indiscriminada de parentes, amigos e parceiros, que potencialmente causam conflitos de interesse e baixa capacidade técnica no corpo do governo. As principais intenções por trás dos institutos da Estabilidade e do Concurso Público são zelar pelos princípios constitucionais da Impessoalidade, Moralidade e Publicidade.

Ambos instrumentos possuem características positivas e negativas ao funcionamento dos governos. Enquanto a estabilidade - que, na grande maioria das situações, não é acompanhada por uma avaliação de desempenho eficaz - tende a gerar acomodação dos funcionários quanto à sua dedicação e empenho na realização do serviço, o concurso público torna o processo de contratação lento, excessivamente objetivo e ineficiente - na medida em que, sob a análise do modelo de gestão por competências por exemplo, não permite uma avaliação mais complexa e subjetiva da adequação do perfil do candidato ao cargo que ele pretende exercer. Além disso, o Concurso Público em seus moldes atuais prioriza a seleção por conhecimentos teóricos, e não pela capacidade de aplicação destes conhecimentos na realidade do trabalho - problemas que poderiam ser amenizados, por exemplo, pela instituição de questões práticas nas provas, como estudos de caso.

A nossa Carta Magna já foi emendada no sentido de buscar a garantia do princípio da Eficiência do Governo, prevendo inclusive a quebra de estabilidade por insuficiência de desempenho. No entanto, este mecanismo ainda carece de regulamentação específica, mecanismos efetivos de avaliação de desempenho e determinação política dos governantes para sua plena instituição.

Outro aspecto importante a ser abordado no que diz respeito à estabilidade no emprego são os cargos em comissão - ou de confiança. Previstos na Constituição como exclusivos para funções de assessoramento superior e direção, constituem o topo da pirâmide hierárquica dos órgãos da Administração Direta e Indireta, e são por definição de livre provimento. Ou seja, são dispensados de Concurso Público para a contratação e não possuem estabilidade. Os ocupantes destes cargos podem, portanto, ser livremente nomeados ou exonerados - sejam servidores já concursados ou não.

Alguns órgãos dos governos preveem em seus regulamentos internos critérios técnicos para o provimento destes cargos. No entanto, infelizmente na grande maioria dos casos ainda não há requisitos técnicos para sua ocupação. Na nossa democracia de coalizão, busca-se consenso entre os poderes Executivo e Legislativo por meio de negociações que, infelizmente, muitas vezes não passam por critérios de eficiência, valores morais ou utilidade pública de projetos, mas sim pelo tráfico de influências com barganhas de cargos de confiança. O resultado catastrófico passa pelo aumento da corrupção e ineficiência nas políticas públicas, com órgãos de natureza técnica sendo conduzidos por profissionais absolutamente inábeis.

Quanto ao que foi discutido até agora, ficam claras algumas características exclusivas da Administração Pública em relação à Administração Privada - e que geram necessidades urgentes de reformas específicas no sentido de:


  • Flexibilizar-se os critérios de avaliação dos Concursos Públicos, buscando-se avaliar não apenas conhecimentos teóricos, mas também habilidades práticas dos candidatos, colocando-os sob situações práticas nas provas teóricas e/ou práticas
  • Aplicação efetiva da Avaliação de Desempenho durante o Estágio Probatório (período de 3 anos entre a nomeação do candidato aprovado em concurso e sua efetivação no cargo, adquirindo estabilidade), buscando que candidatos que não possuam o perfil adequado para o desempenho da função sejam rapidamente desligados antes de adquirir estabilidade; hoje infelizmente essa avaliação na grande maioria das vezes é feita como uma mera formalidade, sem uma efetiva preocupação com seu resultado
  • Flexibilização da estabilidade no emprego, através da regulamentação e aplicação prática da quebra de estabilidade por insuficiência de desempenho - devidamente averiguada por processo transparente e eficiente de avaliação de desempenho
  • Definição de critérios técnicos para o provimento de Cargos de Confiança, como análise de experiência e títulos e provas de certificação profissional por exemplo, tanto para nomear-se servidores já concursados como para contratar-se pessoal externo à máquina

No próximo artigo, discutiremos os conflitos entre chefes e subordinados - comuns na Administração de Empresas, mas também muito frequentes nos governos - e por razões muitas vezes distintas, exigindo mais uma vez uma abordagem diferenciada para sua compreensão e solução.

Obrigado por ler, continue acompanhando e comentários serão sempre muito bem-vindos!