O
principal mecanismo de recrutamento e seleção para ingresso em órgãos da Administração Pública
brasileira – o concurso público – tem se mostrado uma ferramenta eficiente do
ponto de vista legal, mas falha do ponto de vista administrativo e gerencial.
Pautando-se por princípios constitucionais como a legalidade, impessoalidade e
publicidade, ele tem se mostrado extremamente rígido e burocrático,
utilizando-se apenas de critérios objetivos. Abre-se mão assim de critérios de
seleção com maior grau de subjetividade, que agregariam muito do princípio
constitucional da eficiência ao processo.
É possível aprimorar-se o concurso público para que
ele, sem ferir nenhum dos princípios constitucionais, seja mais efetivo e
eficaz na contratação de profissionais mais aderentes aos perfis das vagas nos
governos.
Estudos
feitos principalmente no âmbito de órgãos públicos têm detectado há vários anos
altos índices de desmotivação, absenteísmo e afastamento por doenças nos três
níveis do governo brasileiro. Possivelmente há uma forte correlação entre estes problemas e as deficiências do
processo seletivo público – não como sua única causa, mas uma das principais.
Recentemente, as deficiências do concurso público como ferramenta para
selecionar o candidato mais adequado à vaga tem sido um dos causadores da
dificuldade do serviço público em reter os servidores mais jovens.
Especialmente os servidores mais novos, pertencentes à Geração Y, têm menos
tolerância à falta de aderência entre seu perfil e a vaga. Enquanto os
servidores mais velhos também passaram por esta dificuldade – afinal, o concurso
público não evoluiu muito desde sua oficialização, em 1988 – mas se conformaram
em realizar um trabalho aquém de suas expectativas em nome da estabilidade e
segurança no emprego, os jovens da Geração Y que optam por ingressar no serviço
público têm demonstrado que dão menos valor à estabilidade e mais importância à
realização profissional.
O modelo de Gestão por Competências – hoje paradigma no
setor privado – pode servir como uma das bases para se sugerir melhorias, dentro da legalidade, para
o processo seletivo público, obviamente atentando para as diversas especificidades da Administração Pública.
Uma das definições mais difundidas de Competência é a capacidade de mobilização de
conhecimentos, habilidades e atitudes (recursos de competência) pelo indivíduo
frente a uma situação, atividade, contexto e cultura no qual ocorre ou se
situa. Trata-se da capacidade do indivíduo pensar e agir dentro de um ambiente
particular, supondo a capacidade de aprender e de se adaptar a diferentes
situações, a partir da interação com outras pessoas.
Estes recursos de competência são divididos nos
níveis organizacionais (exigidas de todos os colaboradores), funcionais
(exigidas de colaboradores de certo departamento ou projeto) e individuais. As
competências são classificadas como aquelas ligadas à Conhecimentos Teóricos,
Habilidades Práticas (capacidade de aplicar os conhecimentos na prática gerando
resultados positivos) e Atitudes Comportamentais (motivação e perfil
psicológico) necessárias à boa execução de certo trabalho.
O
modelo de seleção por competências as utiliza como critérios para selecionar os
candidatos, de acordo com o perfil da vaga a ser preenchida – definido, por sua
vez, com base nas competências necessárias para a boa realização das atividades
inerentes ao cargo. É um modelo bem mais completo e eficaz que o concurso
público tradicional, na forma como vem sendo realizado no Brasil.
No
caso da Administração Pública brasileira, a Constituição Federal definiu o
Concurso Público a partir de 1988 como único mecanismo de seleção para os cargos públicos
efetivos – tanto na Administração Direta quanto na Indireta. Apenas os cargos
em comissão (de livre provimento, predominantemente de direção e
assessoramento) estão dispensados dele.
O
principal problema do Concurso Público como processo seletivo é o fato de se
limitar a provas objetivas, que avaliam apenas conhecimentos teóricos, buscando com isso evitar o uso de critérios
subjetivos de seleção - que podem levar a processos judiciais até anulando todo
o certame.
Para
garantir uma melhor adequação do perfil do candidato à vaga pretendida, de
acordo com o modelo de Gestão por Competências é necessário avaliar-se o
candidato em três dimensões: Conhecimentos Teóricos, Habilidades Práticas e
Atitudes Comportamentais. No entanto, a avaliação das Habilidades e Atitudes
exige o uso de critérios mais subjetivos de seleção. Como resolver este dilema?
É
possível realizar o concurso em diversas etapas, e não apenas com uma prova
objetiva, como acontece muitas vezes. Cada uma destas etapas
deve ser planejada para medir certo grupo de competências, buscando aplicar o modelo de Gestão por Competências, mas sem incorrer em
ilegalidades e garantindo publicidade e transparência em todo o processo.
Recrutamento:
- Descrição da vaga em edital: cargo com atribuições amplas e competências bem definidas de acordo com prévia análise dos processos de trabalho a serem executados, permitindo sua alocação dentro da organização de acordo com as necessidades do governo e o perfil do servidor.
- Definição em edital de requisitos de formação e experiência prática prévia para os candidatos
Seleção:
- 1ª fase: prova objetiva baseada em Conhecimentos teóricos
- 2ª fase: prova prática (testes ou dissertativa) baseada em estudos de caso, buscando avaliar as Habilidades
- 3ª fase: curso de formação com avaliações, buscando desenvolver Habilidades Práticas nos candidatos, colocando-os em simulações e workshops com participação de funcionários mais antigos.
- Alocação: os candidatos aprovados na 3ª fase serão alocados entre as áreas previstas em edital de acordo com sua preferência, sendo que aqueles candidatos aprovados com maiores notas terão prioridade na escolha.
- Estágio Probatório: período de 3 anos durante o qual o candidato aprovado será avaliado quanto ao seu desempenho profissional, Atitudes Comportamentais e adequação de seu perfil ao cargo. O estágio probatório já existe, e somente após sua conclusão, caso o candidato seja aprovado, é concedida a ele a estabilidade no emprego. O problema é que atualmente o estágio probatório não é efetivamente utilizado como uma etapa do processo seletivo. Ele acaba sendo um rito pro forma, onde praticamente todos são aprovados e não são efetivamente avaliados. O que se sugere é que o estágio probatório efetivamente seja colocado em prática.
Seguindo estas orientações, é possível que o processo de recrutamento e seleção nos governos seja realizado dentro dos princípios constitucionais e com eficiência, eficácia e efetividade, contribuindo para que o serviço público tenha colaboradores mais motivados e com perfis mais adequados às funções que devem ser exercidas, resultando em melhores políticas públicas para os cidadãos.